domingo, 17 de fevereiro de 2008

"Welcome to the Congo"

Bom, esse assunto é passado, mas só hoje tive a oportunidade de ler esse texto e não podia deixar passar em branco.
Passeando pelos blogs desse mundo digital afora, encontrei uma carta que Luis Antonio Simas (do blog Histórias do Brasil) escreveu a Kevin Neuendorf. Esse sujeito (que por sinal é um exemplo de imbecilidade humana) fazia parte do Comitê Olímpico Norte-Americano. Kevin foi afastado (antes mesmo dos jogos pan-americanos iniciarem) depois que os jornais brasileiros flagraram a frase preconceituosa e debochada que ele desenhou num quadro da sala do Comitê: "Welcome to the Congo".
O texto é longo, mas a leitura vale cada minuto de atenção.


"Senhor Kevin Neuendorf,
Acabo de saber que o comitê olímpico dos Estados Unidos o afastou da delegação norte-americana presente aos jogos pan-americanos do Rio , após sua brincadeira de escrever "Welcome to the Congo" ao chegar à cidade de São Sebastião. O senhor virou até manchete de primeira página de O Globo, com sua foto acima da legenda Uma chegada cheia de preconceitos. Permita-me, então, fazer algumas observações sobre o assunto, ainda que essas mal traçadas nunca sejam lidas por vossa pessoa.
Inicialmente quero dizer que concordo com sua afirmação; somos o Congo. Afinal, vieram de lá, da região do Congo-Angola, só no século XVII, cerca de 700 mil africanos para trabalhar nas lavouras e minas do Brasil Colonial. Nós, os brasileiros, somos, portanto, congos. Somos também jalofos, bamuns, mandingas, bijagós, fantes, achantis, gãs, fons, guns, baribas, gurúnsis, quetos, ondos, ijexás, ijebus, oiós, ibadãs, benins, hauçás, nupês, ibos, ijós, calabaris, teques, iacas, anzicos, andongos, songos, pendes, lenges, ovimbundos, ovambos, macuas, mangajas e cheuas. Todos estes são grupos de africanos que chegaram nessas praias com seus valores, conjuntos de crenças, costumes e línguas - culturas, enfim - para, ao lado de minhotos, beirões, alentejanos, algarvios, transmontanos, açorianos, madeirenses e milhares de comunidades ameríndias, civilizar o Brasil.
Aqui no Brasil, senhor Neuendorf, está rolando uma certa moda de atribuir aos próprios africanos a responsabilidade sobre a escravidão. Todo mundo palpita sobre a história da África, mete o bedelho sem conhecimento de causa e, nesse rame-rame, tem gente dizendo que nós, brasileiros, nunca fomos racistas. Tem uns que, não duvido nada, estão prestes a descobrir que a velha Europa, com seus interesses mercantis e imperiais, nunca quis escravizar ninguém.
Houve até, veja o senhor, um respeitado intelectual brasileiro, Silvio Romero, que, no início do século passado, achou que a única salvação do Brasil era torcer para que a miscigenação se fosse processando com o aumento contínuo do sangue branco. Clarear o brasileiro, eis a solução do nobre intelectual.
Um outro intelectual, Oliveira Vianna, escreveu um livro outrora muito respeitado, que apaixonou gerações de leitores, chamado Evolução do povo brasileiro. Segundo este autor, a salvação possível do Brasil era a nação embranquecida. Para ele, a imigração européia, a fecundidade dos brancos , maior do que a das raças inferiores (negros e índios ), e a preponderância de cruzamentos felizes, nos quais os filhos de casais mistos herdariam as características superiores do pai ou da mãe branca, garantiam um futuro brilhante e branquelo ao Brasil.
Ninguém mais tem coragem de escrever uma barbaridade dessas, Mr. Kevin, mas muita gente, acredite, ainda pensa assim.
O senhor é, não leve a mal a constatação, escroto, preconceituoso, arrogante, obtuso e ignorante. Não há problemas nisso; o atual presidente do seu país também tem essas características.
Acredite numa coisa, sua atitude não me irritou minimamente e nem acho que devessem lhe mandar embora. Sabe o que me irrita, senhor Kevin? Vou lhe dizer rapidamente.
Me irrita saber que muitos brasileiros que se indignaram contra sua atitude pensam no fundo como o senhor e sentem nojo do povo brasileiro. Se irritaram, exatamente, porque nutrem verdadeiro pânico de lembrar que vivem num país mestiço, civilizado pela África, dotado da cultura popular mais rica e múltipla que o mundo conhece.
São brasileiros que marcharam com Deus pela liberdade em 1964, mandam os filhos para fazer intercâmbio nos EUA (como se o seu povo, mr. Kevin, tivesse alguma informação cultural decente para trocar com algum de nós), vivem encastelados em condomínios luxuosos, acham que as empregadas domésticas tem que vestir uniforme e subir pelo elevador de serviço, não gostam de pretos, tocam fogo em índios, não respeitam as religiosidades afro-ameríndias, dizem que samba é coisa de gentinha, frequentam compulsivamente shoppings centers, gastam num jantar o que pagam em um mês para os empregados, vibram quando a polícia executa moradores de favelas e criam filhos enfurecidos e preconceituosos que saem de noitadas em boates da moda para surrar garotas de programa nas esquinas da cidade.
Senhor Kevin, o Congo é aqui! O velho Congo, que revivemos nos maracatus, nos bailes de congo, nos moçambiques, na taieira, na folia de são Benedito, no candomblé de angola, nas cavalhadas, no terno-de-congo, no batuque do jongo e na dança do semba. Somos o Congo porque batemos tambor, batemos cabeça, dançamos e rezamos como lá. Somos o Congo e somos a África, porque somos o país de Zumbi, Licutam, Ganga- Zumba, Luiza Mahin, Bamboxe Obitiku , Felisberto Benzinho, Cipriano de Ogum, João da Baiana, Donga , Pixinguinha, Candeia, Mãe Senhora, Mãe Aninha, Tata Fomutinho, João Candido, Osvaldão, Marighela, Jorge Amado, Martiniano do Bomfim, Solano Trindade, Silas de Oliveira e de tantos outros heróis civilizadores.
Não se preocupe tanto, Mr. Neuendorf. A visão que o senhor tem do Brasil - preconceituosa, burra e mesquinha - , é a mesma visão do jornal que estampou sua foto na capa e a mesma visão da elite do bairro, a Barra da Tijuca, em que seu gesto foi feito. O Brasil oficial, que não ama o Brasil e sonha com Londres, Miami, Paris, Nova York e Madri, pensa igualzinho ao senhor.
Mas sabe o que é curioso, mister? Ao escrever, como um yankee escroto , que estava chegando ao Congo, o senhor não deixou de falar a verdade. O Congo é aqui; com a proteção de Zambiapongo, de todos os inkices de Angola e dos ancestrais do samba.

Sem mais,
Luiz Antonio Simas, filho de Nkosi e Matamba"

3 comentários:

Feänor disse...

Eu acrescentaria o seguinte: O mundo é o Congo! Hoje, sabemos que os primeiros seres humanos vieram da África - isso na época em que ainda vivíamos no grande continente único da Pangéia (ao menos, foi a afirmação mais recente de cientistas que vi sobre este assunto, talvez tenham descoberto desde então algum fóssil mais antigo em outro lugar).

Somos todos africanos! Essa é a verdade!

Mas antes disso, somos SERES HUMANOS, o que nos torna todos irmãos nesta espaçonave chamada Terra - pouco importa se somos negros, brancos, mestiços, orientais, indígenas... Ninguém é melhor nem pior que ninguém.

"Me irrita saber que muitos brasileiros que se indignaram contra sua atitude pensam no fundo como o senhor e sentem nojo do povo brasileiro."

Esse trecho em especial merece um comentário: Somos um povo iludido... Tirando a elite, que realmente tem uma carga de preconceito infundado muito forte, muitos outros da "massa" são doutrinados a adotarem tal postura, que nada mais é que um ardiloso esquema de tranbsmissão de culpa das ELITES - políticos, estadistas e outros administradores do topo da pirâmide - para o POVO promovida pelos poderosos do sistema.

O próprio presidente nos chamou de vagabundos... E veja só que irônico: ele mesmo veio deste seio popular que agora renega!

Uma pena... É realmente uma pena...

(Não precisa agradecer, sempre tento ajudar quando tenho a oportunidade, não importa se desconhecido ou não. Aliás, eu sou o Jarbas, prazer. E você, creio, é a Rosane. Pronto, não somos mais estranhos!

Quando eu puder ajudá-la, basta avisar, ok? Boa sorte ^^)

*Uma reflexão pra você*

Existem alguns gênios que passam em concursos, verdade. Mas quantos desses você conhece? Eu não conheço nenhum... Mas certamente você conhece muitos como você que passaram. A massa dos que passam é composta por pessoas assim: ninguém com uma aptidão especial pra coisa, exceto, talvez, pela persistência. Nós, medianos, somos a imensa maioria dos que passam.

Unknown disse...

Olá!

Agradecido pelos elogio, viu...
Me adiciona no orkut. Nele, só tem a mim com o nome de Maikon Stil.

Conte com a minha presença por aqui.

Beijos!

Anônimo disse...

Olá!

(Mil desculpas. O comentário acima é meu, porém com outro nome. Desculpa pelo erro.)


Beijos!